A chamada decisão de mutirão, o mais importante documento da COP30, excluiu o plano impulsionado pelo presidente Lula para reduzir o uso de combustíveis fósseis, após o entrave sobre esse tema ameaçar implodir a negociação.
O texto, aprovado na tarde deste sábado (22) após a construção de um acordo durante a madrugada, também atende aos interesses da Europa com uma redação branda para o aumento de recursos para adaptação.
Por outro lado, o documento traz um reconhecimento inédito da importância das comunidades afrodescendentes no combate à mudança climática e também dos territórios indígenas, e menciona questões de gênero.
Como mostrou a Folha, a decisão de mutirão foi uma estratégia da presidência da COP30 para aglutinar em um só debate os quatro temas mais polêmicos das negociações climáticas: financiamento, metas mais ambiciosas de descarbonização, as medidas unilaterais de comércio e os relatórios de transparência.
Mapa do caminho dos combustíveis fósseis
A ideia do chamado mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis —concebida pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva— não estava originalmente na agenda da cúpula, nem prevista para ser tratada neste espaço, mas ganhou tração após ser repetidamente defendida pelo presidente Lula.
A inclusão formal da proposta nas negociações aconteceu na primeira versão da decisão de mutirão, após pleitos da Colômbia, que angariou o apoio de diversos países neste tema, inclusive a União Europeia.
Os países árabes, liderados pelos sauditas, reagiram e afirmaram que não aceitariam qualquer menção a combustíveis fósseis neste documento, ameaçando inclusive travar outras negociações da conferência.
No segundo rascunho, a presidência brasileira retirou este mapa do caminho do texto, o que aumentou a tensão entre os países e ameaçou implodir toda a negociação. Diplomatas viraram a madrugada deste sábado em reuniões, até chegar a um acordo, que, finalmente, excluiu o plano contra fósseis do texto.
O plano para acabar com o desmatamento também ficou fora da decisão de mutirão. A exclusão é especialmente simbólica, considerando que essa é a primeira edição da COP na amazônia.
O texto menciona apenas a importância de “conservar, proteger e restaurar a natureza e os ecossistemas”, inclusive “por meio de esforços intensificados para deter e reverter o desmatamento e a degradação florestal até 2030”.
Segundo o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, o roteiro para o fim do uso de petróleo, carvão e gás será organizado como uma iniciativa do Brasil ao longo do próximo ano. O país também seguirá plano para o fim do desmatamento, prometeu.
O texto abre uma brecha para essa iniciativa, decidindo que a presidência brasileira da COP irá atuar com as chefias das edições de 2024 e 2026 da conferência na “Missão Belém para 1,5°C” —em referência à meta mais ambiciosa do Acordo de Paris para frear o aquecimento global.
Os diplomatas trabalharão para “viabilizar a ambição e a implementação” das metas climáticas e planos de adaptação nacionais e “refletir sobre a aceleração da implementação, da cooperação internacional e do investimento” para cumprir essas metas. O relatório será elaborado resumindo o trabalho, a ser apresentado na COP31.
Ainda nesta linha, a decisão lança também o Acelerador Global de Implementação, outra parceria entre as presidências da COP30 e COP31.
Financiamento
Os países em desenvolvimento exigem que as nações ricas, maiores responsáveis pelas mudanças climáticas, cumpram o Acordo de Paris e liderem o fluxo de dinheiro, principalmente na forma de doações, troca de dívida ou empréstimo a juros muito baixos.
Este é, historicamente, o principal entrave das conferências, e a decisão de mutirão atende tanto os países ricos, mas também alguns pleitos dos em desenvolvimento.
O texto trouxe avanços tímidos no financiamento para adaptação climática, acordando que as nações deverão fazer esforços para ao menos triplicar o financiamento para esta área até 2035 —o rascunho anterior tinha um prazo menor, até 2030. No entanto, não explicita valores nem o papel dos governos em mobilizar esses repasses, o que atende a uma demanda da Europa.
Por outro lado, o documento cita uma demanda de países em desenvolvimento por criar um programa de trabalho de dois anos sobre financiamento climático, “incluindo o artigo 9, parágrafo 1, do Acordo de Paris”. Esse parágrafo é o que determina a obrigação dos países ricos em repassar recursos para as nações menores, e enfrentava resistência sobretudo dos europeus.
O texto ainda reconhece que as metas de financiamento climático acordadas até aqui jamais foram cumpridas —os países ricos discordam dessa tese e tentavam barram que ela fosse citada.
O enviado climático do Quênia, Ali Mohamed, disse que a COP em Belém reafirmou tanto a urgência da ação climática quanto os riscos desproporcionais enfrentados pelos mais vulneráveis.
“O Quênia —e a África— estão prontos para liderar a transição para energia limpa, mas resiliência e adaptação não podem continuar sendo pensamentos secundários”, afirmou. “Os países desenvolvidos precisam finalmente cumprir seus compromissos de financiamento, especialmente para adaptação.”
O acordo insta as nações desenvolvidas a “aumentarem a trajetória de sua provisão coletiva de financiamento climático para adaptação aos países em desenvolvimento”.
Pouco tempo depois dos primeiros rascunhos finais serem publicados, o comissário europeu de Meio Ambiente, Wopke Hoekstra, disse que não esconderia o fato que desejava um acordo mais ambicioso, mas que o texto está na direção certa.
“É muito claro que devemos estar junto com nossos amigos das nações mais pobres. E o que estamos fazendo é dar um passo significativo em termos de ajuda financeira para a adaptação dessas nações”, disse à imprensa, acrescentando que tempos políticos complexos ressaltam a importância do multilateralismo. “Há um valor intrínseco, por mais difícil que seja, de buscar a convergência”.
Medidas unilaterais de comércio
O documento atende ainda a pleitos da China e de outros países asiáticos para que se crie um espaço nas discussões climáticas onde medidas unilaterais de comércio possam ser debatidas.
Este item enfrentava resistência da Europa, que é o bloco que mais faz uso deste instrumento, notadamente com seu mecanismo de ajuste de fronteira que cobra um valor extra para produtos importados relacionado à emissão de CO2.
O texto “requisita que grupos subsidiários realizem um diálogo […] para considerar oportunidades, desafios e barreiras em relação a aprimorar a cooperação internacional relacionada ao papel do comércio”.
A chamada decisão de mutirão também celebra os dez anos do Acordo de Paris, cobra os países que ainda não entregaram as suas metas climáticas a fazê-lo e, no que parece uma provocação aos Estados Unidos, “expressa esperança” de que o acordo alcance novamente quase todos os países existentes.
Transição justa
Os países participantes da COP30 também aprovaram o desenvolvimento do primeiro mecanismo internacional dedicado exclusivamente a transições justas, com o objetivo de organizar financiamento, cooperação técnica e capacitação principalmente para países em desenvolvimento.
O item é o avanço institucional mais concreto desde que o tema entrou na agenda climática nos últimos anos e determina a viabilização de uma transição que seja equitativa e inclusiva. O mecanismo tem visto por governo brasileiro e parte dos ambientalistas como uma das principais entregas políticas da conferência, ao criar um trabalho permanente para que a descarbonização global avance de forma mais igualitária.
Autor/Veículo: Folha de S.Paulo


