Ao contrário dos adágios populares que associam o mês a fatos nefastos, agosto de 2025 tem o potencial de ser lembrado como o período em que múltiplos movimentos e acontecimentos tornaram possível uma virada de paradigma na segurança pública. Há um conjunto de sinais que parecem revelar o que a escola neoinstitucionalista das ciências sociais costuma chamar de “conjuntura crítica”, período em que mudanças mais substantivas na relação entre Estado e sociedade são possíveis e mais fáceis de serem implementadas. Nesses momentos, consensos técnicos, práticas exitosas e novos arranjos de governança ganham tração e há uma redução dos constrangimentos institucionais que usualmente regem as relações de poder em um determinado campo de políticas públicas. Reformas mais estruturais tornam-se menos distantes. O atual e mais eloquente desses consensos é, sem dúvida, a constatação de que facções criminosas, como PCC e Comando Vermelho, que nasceram nas prisões do país e cresceram atuando principalmente no narcotráfico, expandiram seus negócios e já estão presentes em mais de 20 mercados legais e ilegais (combustíveis, bebidas, tabaco, ouro, apostas online, criptoativos, fintechs, entre outros). E, o mais grave, ao ampliar seus domínios, o crime organizado ameaça a soberania do país, a economia e o próprio Estado democrático de Direito. Essa infiltração do crime organizado em estruturas empresariais legais amplia seu poder e influência e facilita a lavagem de dinheiro oriundo de atividades ilícitas, fato que exige ações combinadas de repressão qualificada da criminalidade com reformas legais e normativas na forma como historicamente o Estado atua, na ideia de um amplo reforço de integração e coordenação entre as áreas de inteligência financeira e de inteligência de segurança pública. É em torno do reconhecimento das ameaças que o crime organizado representa que, neste artigo, vejo três camadas de forças sobrepostas atuando que merecem reflexão e que podem, enfim, aumentar a eficácia das políticas de prevenção da violência e enfrentamento do crime no país. A primeira camada a ser analisada é aquela que podemos chamar de mais imediata, fática, e envolve o resultado prático de três operações de enfrentamento ao crime organizado que foram deflagradas por autoridade públicas no mês de agosto e que, de certa forma, fortalecem a ideia de ação coordenada e de cooperação interagências. As três operações miraram a infiltração do PCC (Primeiro Comando da Capital) na cadeia produtiva do setor de combustíveis e na lavagem de dinheiro no mercado financeiro. Duas delas, a Quasar e a Tank, foram lideradas pela Polícia Federal. A que ganhou maior destaque, porém, foi a chamada Operação Carbono Oculto, liderada conjuntamente pelo Ministério Público de São Paulo e pela Receita Federal. Ao todo, foram mobilizados cerca de 1.400 agentes em pelo menos dez estados (São Paulo, Bahia, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro e Tocantins) para a localização de mais de 350 alvos, entre pessoas físicas e jurídicas. Em todos os casos, houve a cooperação de órgãos de investigação e persecução penal (polícias e Ministério Público) com órgãos de inteligência tributária e financeira, como a Receita Federal e o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), vinculado ao Banco Central. Graças aos relatórios produzidos pelo Coaf e aos dados da Receita Federal, os alvos das operações conseguiram ser identificados; bens e ativos foram mapeados e bloqueados. A aliança desses órgãos com polícias estaduais (Civil e Militar), Polícia Federal, Ministério Público e Receita Federal conseguiu superar os limites do arranjo federativo do país e garantiu efetividade às ações. Essa aliança é uma evolução da ideia de força-tarefa, pois é algo mais permanente e focado na coordenação de esforços e de metodologia de trabalho. É uma mudança de cultura organizacional que parece se consolidar. Houve, como se sabe, um nível de tensões muito grande, com acusações de vazamento da data das operações, que colocou as parcerias em risco, mas, ao fim e ao cabo, a ideia de ação conjunta prevaleceu. Isso também acontece pois o tema da infiltração do crime organizado na economia formal tem sido um dos eixos do debate sobre segurança pública no Brasil, em muito devido ao esforço de produção de dados e estudos sobre o assunto, a exemplo das pesquisas que o FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) tem divulgado mais recentemente, o que tem servido para manter a prioridade do tema na agenda pública. A informação é a grande aliada dessa virada paradigmática. Segundo estudo do FBSP divulgado em junho, de um total estimado de 1.592 fintechs existentes no Brasil em 2025, apenas 334 (cerca de 21%) são efetivamente supervisionadas pelo Banco Central, o que acaba por criar um verdadeiro oásis para a lavagem de dinheiro do crime. Pior, o estudo mostra que o Banco Central estabeleceu que somente no final de 2029 tais instituições precisariam estar integralmente inseridas nos seus sistemas de fiscalização e controle, fato que facilitou ao crime organizado explorar brechas e produtos do mercado financeiro. Daí a importância do anúncio feito após as operações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que a Receita Federal passaria a fiscalizar as fintechs da mesma forma que é feita com os bancos. Brechas estão sendo fechadas. A segunda camada de forças que precisa ser considerada é aquela associada às disputas por espaços institucionais e por recursos. Nela, se destaca a discussão acerca da PEC da Segurança Pública, elaborada pelo ministro Ricardo Lewandowski. A proposta tem sofrido grandes resistências da oposição e mesmo dentro do próprio governo. O argumento principal é que a PEC não inova no arranjo institucional e centraliza demais a coordenação do sistema de segurança pública nas mãos do Planalto. De fato, o texto merece aperfeiçoamento. Seja como for, a PEC é a primeira proposta de uma gestão presidencial de reforma do modelo de ação e do arranjo federativo da área após a Constituição de 1988. Antes dela, os diversos governos (Collor, FHC, Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro) propuseram 17 planos, estratégias e programas de segurança pública, sendo que nenhum passou por avaliações de impacto ou alterou a forma como a Constituição havia pensado o tema como